The Hundred Line é o RPG tático mais ousado do ano, veja nossa análise

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Alguns jogos nascem de planilhas e previsões de mercado. Outros, de um impulso criativo tão intenso que nem o bom senso consegue parar. The Hundred Line: Last Defense Academy pertence à segunda categoria. Esqueça fórmulas, esqueça segurança. Este é o tipo de jogo que só existe porque alguém — ou melhor, um grupo de criadores — decidiu que precisava existir. E mesmo que isso significasse arriscar a sobrevivência do próprio estúdio.

Criado pela Too Kyo Games, coletivo liderado por Kazutaka Kodaka (Danganronpa) e Kotaro Uchikoshi (Zero Escape), o jogo combina visual novel com RPG tático por turnos em uma escala que beira o insano: mais de 100 finais possíveis, mais de 130 horas para completar tudo, e uma estrutura narrativa que se expande como um labirinto vivo. Mas não se engane — essa loucura tem método, alma e propósito.

Mecânica dividida, experiência unificada

A estrutura de The Hundred Line se apoia em duas colunas principais: narrativa e combate. A maior parte do tempo (cerca de 80%) será gasta mergulhado em diálogos, escolhas morais, cenas densas e reviravoltas que não têm medo de chocar, emocionar ou confundir. Esse conteúdo segue o estilo consagrado de visual novels japonesas, com foco intenso no texto, retratos expressivos dos personagens e trilha sonora envolvente que ajuda a conduzir o drama.

Mas há também os 20% que adicionam tensão e desafio: os combates táticos. O campo de batalha é construído com lógica simples, mas não superficial. As lutas ocorrem em grids com movimentação por turno, onde o posicionamento dos personagens é fundamental. Habilidades variam entre ofensivas, defensivas e suporte, e cada aluno da academia tem um papel distinto. Você será obrigado a pensar — não só com emoção, mas com estratégia.

Sistema de dias e progressão ramificada

A narrativa gira em torno de 100 dias de defesa escolar contra uma força invasora desconhecida. Cada dia representa uma nova etapa na rotina de Takumi Sumino e seus colegas — e novas escolhas. A progressão não é linear: o jogo guarda segredos escondidos em bifurcações narrativas, que surgem de decisões aparentemente banais. Recusar ou aceitar um convite, investigar uma área ou confiar em alguém, pode mudar completamente os rumos da história.

Conforme o jogador explora diferentes linhas temporais, o sistema de “salto de ramificações” facilita revisitar momentos-chave. Combates repetidos podem ser pulados, e há um senso de continuidade entre cada linha explorada. Ao longo das jornadas, o jogo revela subtramas, passados ocultos e realidades paralelas que se entrelaçam com maestria, dando ao jogador a sensação de estar realmente desvendando uma grande verdade escondida.

Uma escrita que ousa e desafia

Kodaka e Uchikoshi não têm medo de tocar em temas complexos. A obra questiona identidade, moralidade, trauma, poder, medo do desconhecido. Há humor, claro, como todo bom jogo japonês sabe dosar. Mas o tom dominante é de intensidade e inquietação. A escola se torna palco para conflitos internos tanto quanto externos, e os personagens são escritos com camadas, contradições e crescimento.

Não é um jogo que se resume fácil. Não se presta a ser raso. Ele exige envolvimento, tempo e disposição para ser desafiado — e em troca, entrega uma experiência inesquecível.

O risco de ser autêntico

Com tudo isso dito, The Hundred Line não é só um projeto criativo. É um projeto arriscado. O próprio Kodaka admitiu que investiu tudo o que tinha — recursos, reputação e tempo — para realizar a ideia. E agora, mesmo com boas avaliações, a Too Kyo Games está à beira da falência. A tradução para outros idiomas além do inglês, japonês e chinês está travada por falta de verba. Portar o jogo para outras plataformas, um sonho distante.

O paradoxo é cruel: quanto mais ambição criativa o jogo tem, mais difícil se torna sustentá-lo no mercado.

Mas talvez aí esteja seu valor real. The Hundred Line é a prova de que ainda existe espaço para jogos autorais em meio à enxurrada de produtos genéricos. Ele não está tentando agradar a todos. Está tentando dizer algo. E isso já é mais do que muitos conseguem.

Se você é o tipo de jogador que valoriza ousadia, escrita de qualidade e experiências que fogem do lugar-comum, esse título não pode passar despercebido. Talvez você demore dias para entender tudo. Talvez nunca veja todos os 100 finais. Mas com certeza, vai se lembrar de cada minuto.

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Por Rafael "Peleh"

Eu sou o Rafael, também conhecido como Peleh. Já vi de tudo no mundo dos games, por isso sou eu quem cuida das notícias e análises de games aqui no Steamaníacos!