Análise de Lunacid: Tears of the Moon, jogo renova o legado dos dungeon crawlers

Lunacid - Tears of the Moon

Quando se fala em RPGs independentes, a maioria das novidades costuma girar em torno de engines modernas, gráficos estilizados e sistemas de combate cada vez mais dinâmicos. Mas, de tempos em tempos, aparece uma joia rara que desafia essa lógica. Lunacid: Tears of the Moon é exatamente isso — uma experiência que ignora os padrões atuais e mergulha sem pudor nas raízes dos dungeon crawlers clássicos.

Feito com a Sword of Moonlight, ferramenta da FromSoftware lançada há 25 anos, o jogo não se contenta em apenas imitar o passado. Ele o revive, com todas as suas limitações e encantos. Em vez de polimento visual, oferece atmosfera. Em vez de tutoriais exaustivos, oferece mistério. O resultado? Um prelúdio gratuito que, mesmo em 2025, consegue se destacar com uma força inesperada — justamente por parecer ter escapado de uma outra época.

Um tributo ousado aos RPGs esquecidos

Tears of the Moon poderia facilmente passar despercebido no catálogo atual da Steam. Seu visual propositalmente datado, a ausência de conveniências modernas e a simplicidade quase espartana não chamam a atenção de primeira. Mas é justamente nesse descompromisso com o que o mercado espera que está seu maior trunfo.

Criado pela KIRA LLC como prelúdio de Lunacid, o jogo abraça com convicção as limitações da ferramenta Sword of Moonlight — lançada pela FromSoftware no ano 2000 — e constrói, sobre elas, uma experiência coesa e encantadora. Quem teve contato com a série King’s Field vai se sentir em casa. O ritmo lento, os ambientes claustrofóbicos e o senso constante de descoberta formam uma tapeçaria cuidadosamente desenhada para evocar nostalgia. Só que não é uma nostalgia passiva. É ativa, desafiadora e exigente.

A decisão ousada de usar a Sword of Moonlight

Optar por uma engine antiga para desenvolver um novo jogo em 2025 não é uma escolha trivial. A Sword of Moonlight, baseada na estrutura dos primeiros King’s Field, carrega todas as limitações técnicas da época: ausência de suporte nativo a mouse, comandos exclusivamente via teclado e interface espartana.

Essas restrições, porém, não empobrecem a experiência. Pelo contrário. Elas forçam o jogador a desacelerar. Cada passo em Tears of the Moon é dado com cautela. Cada inimigo vencido, uma vitória suada. Não há atalhos nem indulgências modernas. Esse tipo de abordagem é rara hoje em dia, quando a maioria dos jogos prioriza fluidez e acessibilidade. E talvez seja justamente por isso que esse projeto se destaca.

Atmosfera de isolamento e descoberta

Ao iniciar a jornada por Tears of the Moon, a primeira sensação que se impõe é o isolamento. Nada de NPCs tagarelas. Nada de HUD superexposto. O jogo te larga em um mundo escuro, com ruínas e corredores que sussurram segredos.

Há uma beleza crua nessa ambientação. As texturas simples não escondem sua idade, mas transmitem um charme peculiar. Castelos em ruínas, cemitérios esquecidos e criptas labirínticas constroem uma narrativa silenciosa, que se revela muito mais pela exploração do que por diálogos.

A trilha sonora pontual reforça essa atmosfera. Em muitos momentos, o silêncio predomina, quebrado apenas pelo som do próprio personagem e seus encontros com criaturas grotescas. A imersão é tão densa que, mesmo com gráficos datados, é impossível não se sentir dentro daquele mundo.

Mecânicas que exigem paciência

Tears of the Moon não oferece combate fluido ou responsivo. Os movimentos são pesados, o tempo de reação é lento, e os acertos dependem mais de estratégia e posicionamento do que de reflexo. Para alguns, isso será motivo de frustração. Para outros, uma experiência deliciosamente desafiadora.

Não há sistema de salvamento automático. Morreu? Volta para a área inicial. A morte tem peso. Isso muda completamente a forma como se aborda cada confronto. E isso é importante, pois não se trata apenas de matar inimigos: é preciso decidir quando lutar e quando recuar.

Itens, magias e armamentos aparecem aos poucos, como se fossem descobertas preciosas. Não espere uma árvore de habilidades extensa. O progresso aqui é mais orgânico, baseado em tentativa e erro, em curiosidade e persistência.

Uma narrativa discreta, mas densa

Embora não conte sua história por meio de grandes cutscenes ou textos expositivos, Tears of the Moon está repleto de narrativas ambientais. Diários abandonados, estátuas quebradas e ruínas silenciosas falam mais do que qualquer diálogo.

Como prelúdio, o jogo se passa milhares de anos antes dos eventos de Lunacid. Isso permite explorar um mundo anterior à queda, em que o mal ainda se manifesta de maneira mais sutil. O objetivo principal gira em torno da coleta de fragmentos de uma espada lendária, mas o enredo maior se desenha nas entrelinhas.

Esse tipo de storytelling remete a títulos como Dark Souls, mas em uma versão mais crua e instintiva. A recompensa está em prestar atenção, montar as peças, imaginar o que aconteceu naquele lugar antes do silêncio dominar tudo.

Nostalgia que se sustenta pela autenticidade

Há jogos que tentam simular o estilo retrô apenas como estética. Tears of the Moon, por outro lado, vive essa estética em sua totalidade. Desde o modo como os personagens se movem até os erros técnicos — como o jogo fechar a cada morte — tudo colabora para criar uma experiência genuinamente retrô.

Esse realismo não vem da fidelidade gráfica, mas da fidelidade emocional. E isso, para quem cresceu nos anos 90, tem um peso enorme. Não se trata de reviver um jogo antigo. Trata-se de jogar algo novo, mas com o espírito de outro tempo.

E mesmo para os mais jovens, essa pode ser uma oportunidade de ouro para entender como os RPGs em primeira pessoa se moldaram — e como ainda podem surpreender, mesmo dentro de suas limitações.

Tears of the Moon, no fim das contas, é uma carta de amor aos jogos esquecidos, à paciência como virtude e à exploração como motor principal da diversão. Não é um título que vai agradar a todos, e nem tenta isso. Mas para quem estiver disposto a mergulhar nesse universo, a recompensa é uma jornada que, embora fria e silenciosa, ressoa por muito tempo depois de terminar.

Disponível gratuitamente no Steam, o jogo não busca impressionar pela tecnologia. Seu impacto vem da paixão visível que sustenta cada decisão de design, cada ambientação construída, cada armadilha escondida. E isso, num mercado saturado de fórmulas, já é um feito e tanto.

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Por Rafael "Peleh"

Eu sou o Rafael, também conhecido como Peleh. Já vi de tudo no mundo dos games, por isso sou eu quem cuida das notícias e análises de games aqui no Steamaníacos!