Review de Clair Obscur: Expedition 33 um RPG que desafia o tempo, a lógica e a sensibilidade

Em um mar de RPGs que repetem fórmulas, Clair Obscur: Expedition 33 emerge como um sopro de ousadia. Não por tentar reinventar sistemas — embora o faça em alguns aspectos — mas por atrelar seu gameplay a um conceito tão esdrúxulo quanto incrivelmente simbólico: a morte anunciada por pinceladas.

A proposta do jogo é simples e devastadora. Uma entidade, A Pintora, acorda uma vez por ano e pinta um número em um monólito. Todos que têm aquela idade simplesmente desaparecem, virando fumaça. Esse evento ocorre anualmente, e o número pintado vai decrescendo. Quando o jogo começa, o próximo número será 33. Um grupo de 32 anos, com um prazo de validade de doze meses, parte em uma missão para pôr fim à Pintora antes de se tornarem vítimas. É o tipo de premissa que parece saída de um conto de fadas sombrio — mas com implicações existenciais pesadas.

Narrativa e simbolismo: morte, tempo e memória

O jogo poderia se limitar a usar essa ideia como um pano de fundo exótico, mas escolhe mergulhar fundo nas suas implicações. O tempo não é apenas um tema — ele é o vilão, a mecânica, o pano de fundo e a motivação.

Cada personagem é moldado pela consciência de sua própria morte. O líder Gustave carrega um cansaço pesado, como alguém que viveu rápido demais. Maelle, a adolescente do grupo, ainda tem nove anos até a sentença, mas observa tudo com olhos de quem sabe que esse tempo também será consumido. Eles não lutam apenas para vencer — lutam para fazer o tempo valer. Isso se reflete em diálogos carregados de nostalgia, culpa e, às vezes, de um humor trágico.

Há ecos filosóficos por toda parte. A Pintora poderia ser vista como uma metáfora para doenças que matam silenciosamente, para o colapso climático, para guerras ignoradas até que chegam perto demais. É o tipo de narrativa que instiga sem precisar ser literal — e que convida o jogador a interpretar.

Visual e ambientação: beleza com prazo

O que torna esse mundo ainda mais impactante é a sua beleza. Inspirado na Belle Époque, o design visual de Clair Obscur é uma tapeçaria de elegância decadente. Prédios ornamentados, roupas ricamente detalhadas, paletas de cores melancólicas — tudo parece saído de uma pintura. E talvez seja esse o ponto.

A arte aqui é uma faca de dois gumes. É reverenciada, mas também é arma. A Pintora representa o ápice do talento artístico, e ao mesmo tempo, sua perversão máxima. Ao fazer da arte um instrumento de morte, o jogo nos faz questionar os limites da criação sem responsabilidade.

Sistema de combate: tensão e ritmo

Se a narrativa é onde o jogo brilha simbolicamente, o combate é onde ele surpreende mecanicamente. Trata-se de um RPG por turnos, sim, mas com camadas em tempo real. O jogador pode aparar ataques, esquivar no momento certo, reagir a estímulos visuais e sonoros. Os ataques têm ritmo, os combos precisam de sincronia, e os inimigos não são meras esponjas de dano.

Essa combinação resulta em lutas tensas, quase coreografadas. Não é sobre números, mas sobre tempo — de novo ele — e sobre precisão. Cada batalha exige atenção plena, e cada falha é sentida no ritmo do grupo.

Há algo de poético no combate: como se cada confronto fosse também uma performance. Como se derrotar inimigos fosse, de certa forma, também criar — mesmo que através da destruição.

Progressão e escolhas: o peso da urgência

Ao contrário de RPGs onde grind e repetição são estratégias válidas, Expedition 33 não dá muito espaço para isso. Tudo é limitado — tempo, recursos, aliados. Isso faz com que cada decisão pese. Cada item usado, cada caminho escolhido, cada interação com NPCs. É um jogo que exige comprometimento emocional.

As expedições anteriores, que falharam, aparecem como ecos narrativos. Fragmentos de histórias mal contadas, pistas sobre o que deu errado. O jogador não só precisa avançar — precisa aprender com os erros dos outros. A sensação é de estar pisando em ruínas carregadas de expectativa.

Dissonância ou genialidade?

Claro, um jogo assim corre riscos. A narrativa pode parecer pretensiosa demais para alguns. O sistema de combate, embora inovador, pode frustrar quem espera um RPG tradicional. E o tom pesado e constante pode afastar jogadores em busca de leveza.

Mas é justamente essa ousadia que o torna especial. Clair Obscur: Expedition 33 não quer ser acessível a todos. Ele quer dizer algo — e faz isso com convicção. Seu maior defeito é talvez sua própria ambição, mas até isso pode ser lido como parte do todo: uma jornada sobre fracasso, urgência e tentativa.

Veredito

Clair Obscur: Expedition 33 é um RPG diferente. Não apenas no tema, mas na alma. Mistura estilo europeu com intensidade japonesa, une mecânicas reativas a uma estética contemplativa, e faz da morte um elemento central do design. É uma experiência que exige atenção, reflexão e, sobretudo, disposição para lidar com a efemeridade.

Talvez não agrade a todos. Mas, para quem busca algo além do convencional — um jogo que faça pensar enquanto desafia —, é uma obra que vale cada segundo. Ou melhor, cada ano. Afinal, o tempo em Clair Obscur é sempre limitado. E talvez, no fundo, o nosso também seja.

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