Review: Peppered mistura plataforma e crise existencial com humor ácido

Peppered

Há algo profundamente desconcertante em Peppered: An Existential Platformer. Talvez seja o fato de você começar o jogo como um quase estagiário de café em uma empresa péssima, encarregado de segurar, de alguma forma, a prisão do próprio Deus da Morte. Talvez seja o tom irônico, o humor melancólico ou os diálogos que soam como se fossem escritos por alguém que já sobreviveu a muitas reuniões inúteis de trabalho. Seja o que for, o novo título da Mostly Games não é só mais um jogo de plataforma — é um pequeno manifesto de absurdos disfarçado de plataforma 2D.

A premissa que não faz sentido — e é isso que torna tudo genial

Você tem “uma única chance” de salvar o mundo. Ou não. É aí que a coisa fica interessante. Apesar da sinopse prometer uma jogada única, estilo roguelike hardcore, Peppered não exige que você reinicie do zero a cada morte. Na verdade, morrer faz parte da jornada. Literalmente. Algumas passagens só são acessíveis depois de você morrer. Sim, o jogo espera que você fracasse, e depois cobra a fatura emocional disso com um sistema de rastreamento de falhas que se recusa a esquecer quantas vezes você escorregou e caiu no abismo — e sim, o jogo se lembra.

Mas não se engane: isso não é uma punição gratuita. Pelo contrário, é um mecanismo narrativo. Peppered não só registra suas mortes, como as incorpora à narrativa. Morreu para o primeiro chefe? Prepare-se para andar cabisbaixo, sem munição, sem glória, apenas com a vergonha pulsante de quem errou em um mundo onde ninguém perdoa — nem mesmo o código-fonte.

Plataforma com peso emocional

A movimentação é leve, fluida, mas traiçoeira. Os saltos são precisos, os obstáculos, cronometrados com malícia. O que Peppered faz, no entanto, é usar a própria plataforma como uma linguagem. Cada vez que você pisa em falso, o mundo reage. Há uma inteligência por trás do design de fases que vai além do desafio técnico. Parece que tudo foi desenhado para fazer você refletir: “por que eu estou tentando salvar esse mundo, mesmo?”.

E o jogo não te dá respostas fáceis. Há uma constante sensação de futilidade, como se o mundo ao seu redor estivesse conformado com o colapso iminente. Os personagens, quase todos envolvidos até o pescoço em burocracias corporativas sem sentido, riem da própria desgraça. E você, o jogador, embarca nessa com um misto de sarcasmo e esperança. Uma esperança frágil, quase cômica, mas ainda assim viva.

Humor ácido e crítica corporativa

Boa parte do charme de Peppered está na sua escrita afiada. Os diálogos são curtos, mas cortantes. A empresa que deveria proteger o mundo basicamente ignorou sua função porque… ninguém apareceu no turno. O elevador está quebrado há anos, mas “instalar escadas de emergência é muito caro”. Os NPCs estão mais preocupados com planilhas do que com o apocalipse.

Esse cenário hilário e depressivo é construído com muito mais finesse do que parece à primeira vista. Existe aqui uma crítica velada — e às vezes bem escancarada — ao cotidiano corporativo moderno: a burocracia que ignora a crise, a cultura do mínimo esforço, e a constante sensação de que tudo está caindo aos pedaços, mas todo mundo decidiu fingir que está tudo bem.

Estética e atmosfera: o existencialismo em pixels

Visualmente, Peppered mistura o charme do pixel art com uma paleta melancólica. O mundo parece ter cor, mas falta vida. Há detalhes sutis em cada cenário — posters motivacionais absurdos, placas de aviso cínicas, luzes piscando como se estivessem cansadas da própria existência.

A trilha sonora acompanha esse humor oscilante. Em momentos de tensão, há notas minimalistas, quase silenciosas, que te deixam desconfortável. E quando algo grandioso acontece, como enfrentar um chefe ou descobrir um novo setor, a música se recusa a soar heroica. Em vez disso, parece que ela está rindo de você — ou com você. É difícil dizer.

As consequências importam

Ao fim do curto, porém intenso trecho da demo, fui confrontado por uma tela que listava meus fracassos. “Você morreu 22 vezes. Você não derrotou o primeiro chefe.” Nada mais. Apenas fatos. Cruéis, frios e impossíveis de negar. Mas o que mais me pegou foi a sensação de que o jogo realmente se lembra. Não só tecnicamente — mas narrativamente.

Segundo os desenvolvedores, esses detalhes irão importar na versão completa. A história não é apenas ramificada por escolhas explícitas, mas também pelas implícitas. Quantas vezes você hesitou? Quais caminhos você evitou? Quantas vezes falhou antes de conseguir? Em um mundo onde até suas mortes viram parte da história, cada jogada se torna pessoal.

O veredito? Peppered é estranho, sarcástico e impossível de ignorar

Peppered não é o tipo de jogo que você zera e esquece. Ele te cutuca, te provoca e, mais do que tudo, se recusa a tratar suas falhas como irrelevantes. Isso o torna um jogo singular — tanto como plataforma quanto como reflexão interativa.

Para quem curte títulos como Undertale, Celeste ou qualquer outra obra que tente ir além do óbvio, essa é uma pedida certeira. Mas esteja avisado: Pepperednão vai facilitar sua vida. Ele vai rir de você, jogar verdades incômodas na sua cara e pedir que você tente de novo — sabendo muito bem quantas vezes você já errou.

E quer saber? Vale cada tombo.

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Por Rafael "Peleh"

Eu sou o Rafael, também conhecido como Peleh. Já vi de tudo no mundo dos games, por isso sou eu quem cuida das notícias e análises de games aqui no Steamaníacos!