Wanderstop: um aconchegante simulador de chá

Wanderstop pode parecer, à primeira vista, apenas um simpático jogo de gerenciamento de uma casa de chá. No entanto, essa aventura narrativa da Ivy Road, publicada pela Annapurna Interactive, se revela muito mais do que isso. No controle de Alta, uma guerreira lendária que de repente começa a perder todas as suas batalhas, o jogador é levado a um refúgio tranquilo, onde a protagonista precisa aprender a fazer chás para clientes peculiares enquanto reflete sobre sua exaustão e sua identidade.

O jogo combina mecânicas de simulação envolventes com um roteiro cuidadosamente escrito por Davey Wrenden (The Stanley Parable) e Karla Zimonja (Tacoma). Entre preparar infusões e cultivar ingredientes, o jogador mergulha em uma história sobre autoconhecimento, descanso e a difícil arte de aceitar ajuda.

Fazendo chá como um verdadeiro guerreiro

Fazer chá em Wanderstop não é apenas um toque leve em uma chaleira. O sistema de preparação transforma o ato em uma experiência física quase ritualística. O gigantesco bule de chá de Boro, o gentil dono da casa de chá, mais parece um experimento de alquimia.

Para preparar uma infusão, é necessário subir escadas para puxar correntes que enchem a chaleira com água, bombear fole para ferver o líquido e chutar válvulas para transferir a mistura por tubos sinuosos. Depois, entram os ingredientes: frutas cultivadas no jardim, ervas peculiares, cogumelos… até mesmo objetos inesperados como um livro. Cada cliente tem um gosto único, tornando o processo divertido e imprevisível.

Esse sistema, por si só, já poderia ser a base de um ótimo jogo de simulação, lembrando títulos como Strange Horticulture. Mas Wanderstop não se contenta apenas com mecânicas bem feitas. Ele quer contar uma história que toca o jogador.

Diálogos que soam como terapia

Enquanto faz chá e atende clientes, Alta também tem conversas significativas com Boro e outros personagens. O roteiro consegue capturar de maneira sensível o processo de enfrentar esgotamento e inseguranças.

Em uma das conversas mais impactantes, Alta menciona que sempre empurrou seus limites ao extremo e nunca se sentiu cansada antes. Ela simplesmente não entende por que está tão exausta agora. Boro, com paciência, responde: “E se o motivo de você estar cansada agora for justamente o fato de ter se forçado tanto por tanto tempo?”

Esse tipo de diálogo faz com que Wanderstop ressoe profundamente. Ele não tenta oferecer respostas fáceis ou mágicas. Terapia, assim como o jogo sugere, não é uma solução instantânea. São apenas novas ferramentas para lidar com os desafios. A decisão de usá-las ou não ainda cabe a cada um.

A dificuldade de aceitar ajuda

Outro momento marcante de Wanderstop envolve um cliente que tenta ajudar Alta de forma insistente, mesmo sem realmente entender o que ela está passando. Esse é um dilema comum na vida real: quando estamos em crise, amigos e familiares podem tentar resolver nossos problemas de maneira bem-intencionada, mas sem a compreensão necessária.

Dizer “não” para esse tipo de ajuda pode ser complicado. Existe o receio de magoar quem quer nos ajudar, mas aceitar conselhos errados pode ser mais prejudicial do que simplesmente seguir nosso próprio ritmo. O jogo aborda essa dinâmica com uma sutileza rara, mostrando como até mesmo boas intenções podem causar impacto negativo.

Relaxante… ou estressante?

Curiosamente, Wanderstop também faz o jogador refletir sobre sua própria maneira de jogar. É um jogo sobre descanso e autoconhecimento, mas muitos jogadores podem se pegar acelerando tudo, correndo pelo mapa, tentando otimizar ao máximo a produção de chá.

O próprio autor da análise original relatou sua experiência: ao invés de relaxar, se viu ansioso para cumprir as tarefas rapidamente. Ele até deu café para um pássaro e ficou preocupado se o estava viciando em cafeína!

Essa ironia reflete bem o ponto do jogo: mesmo quando estamos em um ambiente tranquilo, desacelerar pode ser difícil. Wanderstop nos convida a observar nossos próprios hábitos e questionar por que sentimos tanta urgência, mesmo quando não há perigo real ou um objetivo competitivo.

Vale a pena jogar Wanderstop?

Se você busca um jogo que vá além do simples entretenimento e que traga reflexões genuínas sobre saúde mental e equilíbrio, Wanderstop é uma experiência imperdível. Com um sistema de simulação de chá divertido e uma narrativa poderosa, ele consegue unir mecânicas envolventes a uma mensagem significativa.

É um jogo que fica com você mesmo depois de fechar a tela. E talvez, assim como Alta, ele faça você repensar sua relação com o descanso e a necessidade de sempre estar no controle. Afinal, até os guerreiros mais destemidos precisam aprender a parar.