Tape 2 de Lost Records vai te quebrar (e talvez te curar): análise completa
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Existe uma angústia peculiar que só aparece quando se diz adeus a personagens que já pareciam fazer parte da vida. Lost Records: Bloom & Rage – Tape 2 chega com essa sensação à flor da pele. Se o primeiro episódio nos envolveu com uma melancolia nostálgica dos anos 90, diálogos afiados e atmosferas densas de calor adolescente e trauma não resolvido, a segunda parte vem para encerrar esse ciclo — com força emocional, mas também com cortes bruscos que deixam cicatrizes na experiência.
Tape 2 é, acima de tudo, uma despedida. Mas como toda boa despedida, ela é imperfeita. Traz momentos de beleza devastadora e confissões intensas, mas também tropeça em ritmo e profundidade. Jogando essa segunda parte, a sensação é de observar uma fita VHS que se aproxima do fim da gravação: as imagens ainda têm calor e verdade, mas se fragmentam aqui e ali, deixando ruídos entre as cenas mais importantes.
Uma Estrutura que Divide: entre narrativa e jogo
Ao contrário da primeira parte, que mesclava exploração, pequenos puzzles e escolhas com liberdade, Tape 2 adota um ritmo bem mais controlado. A duração é enxuta: pouco mais de quatro horas, sendo que quase metade do tempo é tomada por cutscenes — longas, densas, bem escritas, mas ainda assim passivas. Em muitos momentos, o controle do jogador é reduzido ao mínimo, fazendo com que Tape 2 flerte perigosamente com o território da novela visual.
Há momentos em que se deseja fazer mais do que apenas assistir. As memórias que antes eram reconstituídas com a filmadora de Swann — uma mecânica charmosa de Tape 1 — agora têm papel quase decorativo. Em Tape 2, somos mais testemunhas do que participantes. Isso pode frustrar quem esperava interações mais robustas, mas também abre espaço para o jogo se aprofundar naquilo que faz de melhor: conduzir emoções com precisão cirúrgica.
Uma Montanha-Russa Emocional: personagens, laços e feridas abertas
A maior virtude de Tape 2 está nas emoções que provoca. A relação entre as quatro protagonistas — Kat, Swann, Nora e Autumn — ganha contornos mais complexos, mais íntimos e, por vezes, mais dolorosos. Natalie Liconti, no papel de Kat, entrega uma performance crua, repleta de silêncios incômodos, hesitações reais e uma raiva que transborda sem aviso. O jogo acerta ao não entregar reconciliações fáceis nem finais polidos.
Cada personagem enfrenta suas próprias feridas: a vergonha, a culpa, a sensação de ter abandonado o grupo quando ele mais precisava. Tape 2 trata essas memórias não como revelações bombásticas, mas como pequenas rachaduras que se alargam com o tempo, até que tudo venha abaixo.
É uma experiência emocionalmente exaustiva — e isso é um elogio.
Sobrenatural Sutil (Demais)
Se havia uma promessa de que o lado sobrenatural da história ganharia destaque em Tape 2, o que se vê é uma presença branda, quase tímida. Os eventos estranhos e as entidades que cercavam a narrativa em Tape 1 finalmente se manifestam, mas de forma contida, quase simbólica.
O que era para ser uma reviravolta potente, algo à altura dos mistérios plantados antes, acaba sendo mais uma moldura do que um ponto central. Há impacto, sim — especialmente em uma cena final que beira o surreal e traz uma força simbólica avassaladora —, mas falta desenvolvimento. Os jogadores mais atentos provavelmente desejarão mais tempo para entender o que viram. E talvez essa seja a intenção: que as respostas fiquem suspensas no ar, como o eco de uma fita parada no meio da gravação.
O Peso das Escolhas e os Múltiplos Finais
Ainda que o controle do jogador seja limitado em muitos trechos, as escolhas continuam a importar. Tape 2 oferece múltiplos desfechos, e cada um deles carrega implicações emocionais profundas. A maneira como você responde a diálogos-chave, como lida com os momentos de vulnerabilidade entre as personagens e até como interpreta os gestos de perdão ou distanciamento, tudo isso molda o fim dessa história.
Não se trata de finais “bons” ou “ruins”. Todos são finais verdadeiros, legítimos e duros à sua maneira. É nesse aspecto que Tape 2 se aproxima de obras como Life is Strange: não há redenção fácil, apenas pessoas tentando fazer o melhor que podem com as dores que carregam.
Trilha, Cenário e Sensibilidade Visual
Visualmente, Tape 2 é um deleite. A Motion Twin capricha nos detalhes, com ambientes que continuam a evocar o final dos anos 90 de forma orgânica — desde pôsteres colados nas paredes até a granulação sutil na luz do entardecer. É um mundo pequeno, mas cheio de textura.
A trilha sonora, mais uma vez, é um acerto. Os temas melancólicos, quase etéreos, sustentam as emoções sem sobrecarregá-las. Momentos cruciais são acompanhados por arranjos delicados, quase imperceptíveis, que tornam a experiência mais cinematográfica do que interativa — e, para muitos, isso será exatamente o que torna tudo tão tocante.
Um Fim que Dói Porque É Verdadeiro
Tape 2 talvez não seja o desfecho que todos esperavam. Ele não responde todas as perguntas, não resolve todos os conflitos e não transforma as protagonistas em versões melhores de si mesmas. Mas ele é honesto. Profundamente honesto.
Ao final, você não se sentirá vitorioso. Sentirá uma espécie de alívio melancólico, como quando se termina um livro que mexeu com sua alma, mas não ofereceu um final feliz. E talvez, no fundo, seja exatamente isso que Lost Records se propôs a fazer: contar uma história sobre cicatrizes que não fecham, mas que ainda assim nos permitem seguir em frente.
Considerações Finais
Lost Records: Bloom & Rage – Tape 2 encerra a saga com uma mistura agridoce de beleza e frustração. É uma experiência que exige empatia, paciência e sensibilidade. Sua jogabilidade é modesta, por vezes inexistente, mas sua narrativa continua a ser uma das mais bem escritas dos últimos tempos.
Para quem jogou Tape 1, essa segunda parte é essencial. Não pelo que oferece como jogo, mas pelo que conclui como história. E para quem gosta de narrativas que tratam da dor com respeito, da amizade com complexidade e do crescimento com amargura — Tape 2 pode não ser perfeito, mas é inesquecível.
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Eu sou o Rafael, também conhecido como Peleh. Já vi de tudo no mundo dos games, por isso sou eu quem cuida das notícias e análises de games aqui no Steamaníacos!