Forgotten Seas — mar aberto, mãos sujas de breu e uma bússola com vontade própria
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Começou com o barulho mais simples do mundo: madeira rangendo. Eu ainda estava aprendendo a soltar vela sem virar sorvete de mastro quando a primeira frente fria me pegou no contravento e jogou a proa pra onde eu menos queria. Esquece fantasia de capitão heroico: Forgotten Seas te lembra de minuto em minuto que quem manda é o vento. E o jogo é melhor quando você aceita que navegar é sempre um acordo entre pressa e prudência. Eu aprendi isso do jeito certo (apanhando). Uma hora depois, eu já tinha a rotina: olhar bandeirola, ajustar escota, checar lastro, e só então sonhar em bater canhão em alguém.
O loop que me prendeu é muito honesto: zarpar com um plano e voltar com uma história. Saio do porto com quatro objetivos — catar especiaria barata ali, visitar farol acolá, mapear recife num desvio — e volto sem metade da carga porque achei um naufrágio tentador e, claro, um banco de areia faminto. Quando dá certo, o jogo te deixa se sentir gênio: usar correnteza pra cortar caminho, se esconder atrás de penhasco pra fugir de briga feia, ancorar de bico numa baía protegida e esperar a tempestade passar enquanto conserta um vazamento que você jurava que não existia. Quando dá errado, dá errado com poesia: vela rasgada numa rajada, cavername chorando, e você descendo pro porão com martelo e resina torcendo pra bomba d’água não te abandonar agora.
Não é só nave por nave. As ilhas têm humor próprio. Tem uma que parece amigável, com coqueiro e areia branca, mas o interior é pântano e consome a tripulação de cansaço; tem uma que é pedra pura, péssima pra erguer base, ótima pra minerar o que paga a próxima vela reforçada. Eu, que geralmente ignoro “casas” em jogo de mar, aqui fiquei obcecado em fazer um entreposto decente: cama pra não quebrar a sanidade, fogão que gasta menos carvão, armário de peça de reposição, e um cais torto que só eu entendo. Voltar pra esse lugar depois de um perrengue dá um quentinho besta.
Combate, quando acontece, parece briga de bar que virou duelo. Não é só encostar e atirar: é calcular ângulo, dar costado no tempo certo, respeitar recarga e, se pintar chance, tentar o grampo e abordar. O jogo te encoraja a pensar além do “dar dano”: jogar balote pra travar manobra do inimigo, mirar abaixo da linha d’água pra fazer o cara gastar mão consertando vazamento, usar fumaça e relevo pra quebrar linha de tiro. Eu comecei como valentão de canhão, terminei como rato de correnteza. O melhor encontro que tive foi com uma corveta maior: eu já ia fugir, mas a maré virou a meu favor, colei no cego do penhasco e derreti o casco do cara sem ele conseguir girar. Saí tremendo, rindo, abraçado no leme.
Tem grind, claro, mas com propósito. Atualizar casco, reforçar quilha, comprar vela que segura melhor contra o vento, instalar guincho que salva ancoragem apressada… cada melhoria mexe na sensação de navegar. E isso muda como você enxerga o mapa. Onde antes era “área vermelha com caveirinha”, vira “atalho possível se eu respeitar a maré”. A economia também te puxa: Tem gente pagando caro por trigo do outro lado do mapa? Vale a viagem? Será que não compensa levar pólvora junto e tentar lucro duplo, mesmo que isso te transforme em ímã de pirata? Especular dói quando você chega um dia atrasado e o preço caiu pela metade, mas a alegria de acertar a janela cobre.
A parte de navegação “na mão” é o que fez o jogo grudar. Ele não te guia como GPS; te dá pistas: posição do sol, constelações, um farol que você jura que já viu, a cor da água que entrega profundidade traíra. Eu comecei anotando no papel, old school: “— recife ao sul do farol velho”, “— corrente puxa leste perto da ilha com coqueiro gigante”. Parece romântico, mas te salva a pele. Em duas ocasiões, o mapa formal estava incompleto, e a minha caderneta virou a diferença entre voltar rico ou voltar só.
No PC, tudo ficou redondo quando aceitei a realidade: trava a 60 e segura no pós-processamento. À noite e em tempestade, o bloom demais rouba legibilidade e faz o horizonte virar mancha; quando cortei, a leitura de vela, mastros e ondas ficou muito melhor. Joguei metade no teclado e mouse, metade no controle. Mouse brilha na hora de “micro-ajustar” vela e escolher ferramenta de reparo com pressa; controle vira rei quando o mar está irritado e você quer movimento suave na roda do leme. O áudio é metade da navegação: estalo de corda, batida de água no costado, barulho de vento mudando de tom — com fone, tudo isso vira HUD. Recomendo demais.
Tem dias que o jogo pesa a mão. Uma sequência de eventos aleatórios (tempestade + emboscada + banco raso que você não viu) pode te arrancar mais do que você merece. Quando acontece, respira. Esvazia porão, joga lastro, aceita que perder metade da carga é melhor do que perder tudo e tenta não virar herói em mar doido. Também senti, em alguns trechos, repetição de tarefinha de manutenção (aperta parafuso aqui, troca táboa ali) que poderia ter um atalho depois da décima vez. Mas é aquele tipo de “rotina boa” que vira relax quando você entra no fluxo — quase terapia com martelo e piche.
A melhor surpresa foi como o jogo te faz ajustar ambição. No início, eu queria ser pirata, mercador, explorador, tudo junto. O mar me mostrou que foco vale mais que coragem. Uma noite eu saí só pra mapear e anotar correnteza. Outra, fui mercador puro, correndo contra o relógio de preço. Numa terceira, virei caçador por contrato porque precisava pagar uma melhoria cara. Essa alternância mantém a parada fresca. E cada papel devolve história: fuga que virou lenda no bar, naufrágio idiota que te deixa rindo de nervoso, tempinho de calmaria assistindo golfinho (ou algo que parecia) escoltar sua proa por cinco minutos inteiros.
Terminei minha primeira “fase de prosperidade” com um barco que finalmente parecia meu: vela de tecido remendado que ainda assim aguentava, leme com um enfeite tosco de corda, deck organizado do meu jeito, e um mapa cheio de rabisco que só eu entendo. E entendi que Forgotten Seas não é sobre “zerar”; é sobre ficar bom em ler vento, mar e teimosia. Quanto mais você respeita o mundo, mais o mundo te paga com atalho, salvação e momentos que você vai contar pros amigos como se fossem pescaria de verdade.
Se você curte jogo que te dá ferramentas, cobra responsabilidade e deixa história acontecer entre ponto A e B, se joga. Vai ter raiva do clima, vai perder carga por burrice, vai amar cada saída de porto com a sensação de que dessa vez você domina o vento. E, quando você encostar no cais com casco inteiro e porão cheio, o barulho da corda passando no cabeço vai soar como medalha.
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Sou o Leo, geralmente jogo com o nick blade95. Sou apaixonado por jogos de FPS e amo montar PC Gamer! Aqui no Steamaníacos cuido de tudo sobre Hardware, review, preview, testes e novidades para o nosso mundo gamer!