Doom: The Dark Ages transforma brutalidade em espetáculo, mas tropeça na simplicidade, veja nosso review

Nos tempos atuais, campanhas de FPS se tornaram quase uma relíquia. Enquanto a indústria se move para experiências online e modelos sazonais, a id Software persiste em manter a tradição viva. E com Doom: The Dark Ages, a desenvolvedora não apenas retorna com seu protagonista icônico, mas também tenta reinventar, mais uma vez, o próprio conceito de ação em primeira pessoa.

Ao contrário do que muitos poderiam esperar, The Dark Ages não é simplesmente “mais do mesmo”. A equipe da id resolveu demolir a fundação construída com Doom Eternal para erguer algo novo. É uma decisão ousada e que, em vários momentos, rende frutos empolgantes — mas que também cobra seu preço em complexidade e profundidade.

O escudo como novo coração do combate

O elemento mais marcante de The Dark Ages é o Shield Saw, um escudo com serra embutida que assume o papel central da jogabilidade. Acoplado permanentemente ao botão direito do mouse, ele substitui as funções secundárias das armas e define o novo ritmo do combate: menos mobilidade aérea, mais controle de território.

O escudo bloqueia projéteis frontais, rebate disparos verdes e ainda pode ser lançado como um bumerangue cortante. O resultado é um gameplay onde o jogador avança, escudo em punho, para dentro da carnificina. Parar, rebater e punir. A sensação é satisfatória e, desde os primeiros minutos, empodera o jogador com um senso de brutalidade que poucos FPS modernos conseguem oferecer.

No entanto, essa mesma centralização enfraquece a variedade. Uma vez desbloqueada a função de arremesso, o escudo deixa de evoluir de forma significativa. As lutas passam a seguir um padrão fixo: escudo, tiro, escudo, dash, escudo. Faltou profundidade tática, aquela necessidade de trocar entre armas e recursos de acordo com a situação, tão presente nos títulos anteriores.

Armas visualmente impactantes, mas mecanicamente rasas

A consequência direta do escudo monopolizar a jogabilidade é a perda de destaque das armas. Sem modos de disparo secundários, os armamentos em The Dark Ages funcionam mais como extensões do dano do que como ferramentas estratégicas.

Algumas tentam se destacar, como o Chainshot, uma arma que arremessa esferas de destruição que retornam como ioiôs infernais. Mas no geral, substitutos do Ballista, Heavy Cannon e outras armas icônicas parecem mais genéricos, com impacto visual, mas pouco diferencial no uso prático.

A ausência do sistema de resistência/dano específico entre demônios e armas — tão fundamental em Doom Eternal — agrava o problema. Agora, qualquer arma serve para qualquer inimigo. A exigência de leitura de campo, de raciocínio rápido sobre qual armamento usar, desaparece. E junto com ela, parte da alma estratégica da série.

O Slayer repaginado: entre um Master Chief medieval e um semideus em colapso

O Slayer continua sendo um dos protagonistas mais fascinantes do gênero. Mudo, brutal, quase mitológico, ele transita entre a reverência e o temor. Em The Dark Ages, essa dualidade se intensifica: humanos o tratam como um deus, ao mesmo tempo em que tentam controlá-lo — até colocam um colar de choque nele. Uma decisão que, previsivelmente, não termina bem para ninguém.

A ambientação medieval, com mechs, dragões e castelos ancestrais, serve mais como pano de fundo para uma sucessão de cenas de ação do que como elemento realmente explorado narrativamente. Ainda assim, a estética ajuda a diferenciar The Dark Ages de seus antecessores, conferindo ao jogo uma identidade visual própria — ainda que menos inspirada nos detalhes.

Nível de desafio e recursos: menos é… menos?

Outro ponto de ruptura é a forma como o jogo trata seus recursos básicos. O sistema clássico de regeneração por Glory Kills, Chainsaw para munição e gerenciamento constante de recursos foi praticamente descartado. Agora, basta pressionar “E” para esmurrar um capanga e gerar munição. Vida, escudo e munição são abundantes, e o combate perde parte da tensão.

A consequência é clara: a curva de aprendizado foi achatada. Jogadores novatos terão um caminho mais fácil e menos frustrante, mas veteranos sentirão falta do ritmo implacável e punitivo de Doom Eternal. Mesmo ajustando a dificuldade e parâmetros como velocidade de projéteis e janela de parry, o sistema não se transforma. A estrutura é mais acessível, sim — mas também mais limitada.

Design de fases: da verticalidade ao chão reto

Os mapas de The Dark Ages são amplos, mas excessivamente planos. A verticalidade, que era marca registrada dos dois jogos anteriores, foi drasticamente reduzida. Os ambientes agora se organizam como grandes arenas abertas, muitas vezes desprovidas de obstáculos ou variações de terreno. O Slayer, agora com um pulo mais tímido e pouca mobilidade aérea, parece ter perdido parte de sua essência acrobática.

A estrutura dos níveis também mudou: ao invés de labirintos complexos, temos áreas com plataformas centrais que se ramificam em zonas secundárias — facilitando a navegação, mas diminuindo o senso de descoberta. Segredos estão por toda parte, mas muitos são entregues de bandeja pelo mapa. E as salas de desafio hardcore, que tantos jogadores adoravam em Eternal? Sumiram.

Uma experiência visual e sonora de tirar o fôlego

Apesar das críticas, não dá para ignorar os méritos técnicos do jogo. A id Tech 7 continua sendo um espetáculo, entregando gráficos impressionantes, efeitos viscerais e desempenho exemplar até mesmo em hardwares mais modestos.

A trilha sonora, como de costume, merece aplausos. Guitarras pesadas, batidas industriais e variações rítmicas que acompanham a intensidade do combate criam uma atmosfera energética e empolgante. Cada confronto parece uma batalha coreografada entre som e violência.

Breves flertes com o épico

Mechs, dragões e cenas cinematográficas surgem como momentos de ruptura na campanha de 22 fases. São sequências curtas, às vezes quase desconectadas do gameplay, mas que ajudam a quebrar a rotina. Elas não são tão memoráveis quanto poderiam, mas cumprem seu papel de variar o ritmo da jornada.

Uma nova face para um clássico — mas onde estão os riscos?

Ao fim da campanha, é impossível não refletir: The Dark Ages é mais acessível, mais visual, mais direto. Mas é também menos ousado. A id optou por simplificar sistemas que, embora desafiadores, eram o motor da identidade moderna de Doom. O combate continua divertido, mas a falta de camadas estratégicas reduz a longevidade da experiência.

Se Doom 2016 foi o renascimento de um ícone e Eternal a sua consagração, The Dark Ages parece um epílogo estilizado. Ainda assim, dentro de suas escolhas, entrega uma campanha sólida, brutal e satisfatória — apenas não tão memorável quanto seus predecessores.